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Projeto “Aprendendo a Aprender” dá a adolescentes e jovens o direito de recomeçar

O futebol como metáfora da vida é uma alegoria que aparece frequentemente em artigos, crônicas e matérias jornalísticas. O escritor, educador e historiador carioca Luiz Antônio Simas conta que é o único botafoguense da família, o que afirma ser “uma experiência de liberdade”. Em uma entrevista concedida em 2019 a um canal no YouTube, ele se referiu ao esporte mais popular do país como “um fato social completo”, que “transcende o jogo” em si, reflete diversos aspectos da sociabilidade humana e “expõe a rigor tudo o que na prática circunda o nosso cotidiano: as relações que a gente tem com o inesperado, com a possibilidade da vitória e com as derrotas que eventualmente ocorrem”.

A alusão ao futebol como espelho da vida apareceu em diversas falas, na última sexta-feira (19), na entrega dos certificados aos 17 adolescentes e jovens egressos do sistema socioeducativo que concluíram o curso do projeto-piloto de pré-aprendizagem profissional “Aprendendo a Aprender”.

Flávia Santos, gerente do Casemi Nazaré. Foto: Alisson Almeida

Durante a cerimônia na sede do Sistema Nacional de Emprego (Sine-RN), no bairro de Candelária, Zona Sul de Natal, Flávia Santos, gerente do Centro de Atendimento Socioeducativo em Semiliberdade (Casemi Nazaré), recorrendo à linguagem futebolística, perguntou aos concluintes: “A bola está aqui, quem quer jogar?”.

“Vocês não são o sistema socioeducativo, vocês estão de passagem, mas não basta querer jogar, é preciso se comprometer, fazer um esforço e resistir”, disse ela, como se fosse uma técnica fazendo a preleção para o time que está prestes a entrar em campo para decidir o título da temporada.

“Estamos aqui por vocês, não desistam na primeira dificuldade, sejam sonhadores, mas não tirem os pés do chão. A cada passo que vocês derem, novas oportunidades vão aparecer”, completou, motivando aqueles “jogadores” que, apesar de muito jovens, já haviam disputado muitas partidas decisivas no campeonato da vida.

Depois de algumas faltas na vida, a chance de recomeçar

A vascaína Flávia, talvez sem saber, estava reproduzindo a ideia do botafoguense Luiz Antônio Simas, para quem o futebol também representa, em certa medida, “a maneira como você deposita as suas esperanças ou as suas descrenças em alguma coisa”.

Para aqueles 17 concluintes do curso “Aprendendo a Aprender”, essa esperança estava materializada naquele pedaço de papel retangular, que representa para eles a chance de recomeçar depois de algumas faltas cometidas ao longo de suas ainda curtas trajetórias.

Concluintes do “Aprendendo a Aprender” exibem certificados do curso. Foto: Alisson Almeida

A maioria deles cresceu em um contexto de vulnerabilidade social, que terminou contribuindo para que fossem parar no sistema socioeducativo. Acostumados a serem estigmatizados, invisibilizados e julgados, eles estavam pela primeira vez sendo enxergados como sujeitos de direitos.

Recorrendo novamente à figura de linguagem que abre esse texto, era como se eles estivessem sendo chamados do banco de reservas para, finalmente, entrar em campo.

“O que encontrei aqui foi empatia”, diz jovem que concluiu curso de pré-aprendizagem

Rafaela (camiseta verde) ao lado da mãe, Neli. Foto: Alisson Almeida

Rafaela Brito, 22 anos, conta que sua história era parecida com a dos meninos que receberam o certificado junto com ela.

“Quando você é jovem, acaba se iludindo muito, faz algumas escolhas ruins e se envolve com coisas erradas, algumas vezes só pela curiosidade da vida mesmo”, narra, revelando que viveu em um contexto de diferentes formas de violências, teve muitas experiências negativas e, após ser atendida pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), foi encaminhada para o curso “Aprendendo a Aprender”.

“Eu vim apenas com o pensamento que seria um curso de pré-aprendizagem, que seria bom para o meu currículo, mas o que encontrei aqui foi empatia, acolhimento e uma oportunidade de recomeçar a vida”, disse, em tom emocionado, confessando que, até pouco tempo atrás, nem sua própria mãe acreditava mais que ela poderia encontrar um rumo diferente.

Neli de Brito, mãe de Rafaela, também estava bastante emocionada. Ela afirma que a filha “passou por muitas lutas sozinha”, porque havia feito “uma escolha errada”, mas felizmente “desistiu de sofrer e recomeçar a vida da maneira certa”.

“Eu sempre orei, torci e lutei pela minha filha. Ela, graças a Deus, decidiu buscar em mim a mãe que ela tinha desistido de ter e ela me reencontrou. Agora somos parceiras, amigas e estaremos juntas”, declarou.

“Não olhem para trás”, aconselhou Neli, mãe de Rafaela, aos colega de turma da filha. Foto: Alisson Almeida

Rafaela disse que esse reencontro com sua mãe era “gratificante”. “Eu sabia que ela sempre estaria ali, mas eu também sabia que ela não concordava com a vida que eu estava levando. Eu estava me destruindo, ela estava se quebrando ao me ver daquele jeito e eu sentia que ela não acreditava mais que eu poderia mudar”, confessou.

Neli estava ali para provar que a filha estava errada. Ela nunca desistiu de acreditar na possibilidade de mudança de Rafaela.

Por isso, com a força do seu coração esperançoso de mãe, disse aos meninos e às meninas que estavam naquela cerimônia simples, mas carregada de significados: “sigam em frente, não olhem para trás, segurem na mão de qualquer pessoa quando precisarem de ajuda, porque agora é uma nova jornada, um novo caminho, uma nova oportunidade”.

Ninguém sairá daqui da mesma forma que entrou”, diz adolescente

Adolescentes discursam em cerimônia de entrega de certificados. Foto: Alisson Almeida

“Vocês acreditaram no nosso potencial e nos ajudaram a acreditar em nós mesmos”, disse outro concluinte do curso, ao lado da professora Lourdes Martins e do professor Fernando Isaac.

Dirigindo-se aos outros colegas de turma, ele afirmou ter certeza que “ninguém sairá daqui da mesma forma que entrou”. “Levamos com a gente novos conhecimentos, novas atitudes e a esperança no futuro. Esse curso não é o fim, mas sim o início de uma nova caminhada”, discursou o adolescente.

Foto: Isabela Santos

O curso, segundo outro adolescente que também discursou na cerimônia de entrega dos certificados, não os ensinou apenas sobre o conteúdo teórico, mas a saber como “lidar com as dificuldades, a entender que errar faz parte do processo e que não podemos ser tratados com preconceito, discriminação e exclusão”.

“Aprendemos que temos os nossos direitos, que não podem ser negados. Estudamos o Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA] e foi aí que entendemos que, quando passamos por situações como ser expulso da escola, não poder usar a quadra de futebol para jogar bola e não ter acesso ao que seria o nosso espaço de lazer, não somos vistos como sujeitos de direitos”, exclamou, trazendo mais uma vez o futebol para a conversa.

Diretor da Fundase diz que curso é “alternativa de projeto de vida”

Herculano Campos, diretor da Fundase. Foto: Isabela Santos

O presidente da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Norte (Fundase-RN), Herculano Campos, enfatizou a importância do projeto para, além de promover a perspectiva educacional, assegurar a inserção profissional dos socioeducandos.

“O projeto tem como objetivo habilitar os adolescentes e jovens para a entrada no contexto do trabalho. Isso é fundamental, porque todos eles, quando chegam numa certa idade, desejam ter autonomia, ter acesso ao mundo do consumo e sonham em comprar suas próprias coisas”, comentou, ressaltando a iniciativa, voltada a esse público em situação de vulnerabilidade, é uma “alternativa de projeto de vida e à infração”.

Herculano, no entanto, ponderou que a conclusão do curso de pré-aprendizagem era uma “pequenas, mas primeira, significativa e importantíssima etapa de u m processo que está apenas começando”.

Luís Fabiano, procurador do Ministério Público do Trabalho do RN. Foto: Isabela Santos

O procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT-RN), Luís Fabiano, destacou que o objetivo das instituições parceiras do projeto é preparar os adolescentes e jovens do sistema socioeducativo para o início da vida profissional.

“O projeto prevê que, na sequência, a gente faça o encaminhamento daqueles que tiveram bom aproveitamento para as empresas, para eles serem contratados como aprendizes, que é a porta de entrada para a inserção no mercado trabalho, mas um trabalho protegido, com registro, carteira assinada e permanência nas atividades escolares, para que eles consigam a profissionalização e a permanência no emprego”, frisou.

“A sensação é de dever cumprido”, diz professora Lourdes Martins. Foto: Alisson Almeida

A professora Lourdes Martins, uma das mais emocionadas durante a entrega dos certificados, disse que os 19 dias de curso foram “um momento bem desafiador, mas, ao mesmo tempo, gratificante porque iniciamos a preparação deles para o mundo do trabalho”.

“Organizamos a documentação deles, abordamos os direitos deles e ajudamos eles a voltarem para a escola, porque muitos estavam evadidos, mas hoje todos estão matriculados. Eles não sabiam nem o que era o significado da palavra cidadania, mas agora sabem. Então, eu tenho a sensação de dever cumprido, porque eles estão aptos a serem inseridos na aprendizagem profissional”, disse, orgulhosa do resultado da jornada de 60 horas/aula do curso que contou com atividades teóricas e práticas sobre formação humana, inclusão digital, consumo consciente, planejamento financeiro, matemática, língua portuguesa e segurança e saúde no trabalho.

Parceria entre instituições

Foto: Isabela Santos

O projeto é resultado da parceria entre a Fundase, Ministério Público do Trabalho e o Instituto Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil (Infoca-RN), com apoio da Secretaria Estadual do Trabalho, Habitação e Assistência Social (Sethas), do Ministério Público do Estado do RN (MPRN), do Sistema Nacional de Emprego (Sine-RN) e dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e Especializada (Creas) de Natal.

A iniciativa incluiu, ainda, o pagamento de uma bolsa no valor de R$ 400, além de auxílio com vale-transporte e lanche. A etapa de pré-aprendizagem, segundo a Fundase, é considerada fundamental no preparo para a futura contratação dos socioeducandos, ao reforçar competências básicas e recompor conhecimentos essenciais.

“Agora temos a oportunidade de fazer tudo diferente, fazer um gol e vencer na vida”, reforçou Rafaela, mais uma a citar a metáfora futebolística para descrever aquele momento que poderia ser comparado ao início do segundo tempo de um jogo que eles vinham perdendo, mas que ainda daria tempo de reverter o placar.

Fonte: saibamais.jor.br

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