Na mais recente eleição para a Câmara Municipal de Natal, dois vereadores da Zona Norte conquistaram seus cargos entre os 29 eleitos. Anne Lagartixa, do Solidariedade, foi eleita com 3.518 votos, enquanto Tarcio de Eudiane, do União Brasil, obteve 4.692 votos.
A eleição foi marcada por uma alta participação da população e uma intensa mobilização nas comunidades. Ambos os novos vereadores agora se preparam para tomar posse e representar os interesses dos cidadãos na Câmara Municipal de Natal, assumindo seus cargos a partir de 1° de janeiro de 2025.
“Vic Kabulosa é a voz de muitas meninas, corpos LGBTS e figuras impossíveis que foram ocultadas durante o tempo”.
É assim que se define Vic Kabulosa, multiartista, cantora, estudante de música na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), além de ser professora de música e de expressão corporal e uma voz da resistência preta e LGBTQIAP+ da Zona Norte de Natal. A artista é considerada uma promessa do cenário artístico potiguar da Zona Norte. Mulher trans e preta, Vic ousa e desafia uma sociedade machista, racista e transfóbica.
“É uma junção de dores, é uma junção de alegria, é uma compilação de arte que me faz estar viva, podendo cantar e podendo usar todas as minhas dores como uma forma de resistir e de dizer: ‘Olha o canto do povo negro. Olha o canto do povo LGBT. Olha como tudo isso faz ser quem sou”, desabafa a multiartista.
Vic Kabulosa surgiu na contramão do sistema sendo a voz da resistência, da ocupação e do incômodo. Vindo da periferia e das noites potiguares, a cantora bebeu de todas as referências que um artista potiguar pode ter.
“Ela surge das noites da Redinha, das noites do Santarém, do Soledade e desse outro lado da ponte. Então, por isso o nome ‘Kabulosa’, né? ‘Kabulosa’ surge como um corpo que existe vivendo”, completa.
Foi justamente por vir dessa região, que resistência é a palavra que define a existência de Vic Kabulosa.
“Eu acredito que ser um artista da Zona Norte é muito mais do que a única coisa que eu sei fazer. É a condição de viver que eu tenho. É uma questão de resistir. Porque tenho que resistir num lugar onde não se movimenta, não se fomenta cultura, ou num espaço onde a gente não consegue se enxergar enquanto artista da periferia.”
Não que não exista cultura na região, o problema é que a invisibilidade que a classe artística enfrenta, sendo apagada e esquecida do restante da cidade.
“Existe muita gente boa que é da Zona Norte e por aquela questão cultural que a gente tem, a gente acaba sendo inviabilizado por muitas questões, sabe? Tipo do cachê ser quase o valor de um uber, sabe? Das contratações, das informações, dos espaços ocupados sempre chegarem primeiro pra quem está do outro lado”, completa a artista se referindo às oportunidades dada aos artistas do outro lado da ponte.
“Produzir arte potiguar da Zona Norte de qualidade é uma questão de resistir. Khrystal é daqui, também tem a galera do rap e tal. Tem muita gente boa aqui. Então, acho que o problema não é sobre o cenário, e sim sobre a forma que como nos veem. A forma que nos potencializam e nos permitem também. Porque por falta de permissão, a gente acaba não tendo acesso a muitas coisas que quem está do outro lado da ponta acessa de uma forma mais fluida.”
Vic Kabulosa é cantora e professora de música e expressão corporal. Foto: cedida
“A maior dificuldade de todas é estar e sobreviver num ambiente onde não existem políticas públicas voltadas para corpos como o meu.”
A arte é o que mantém Vic viva. É da arte que ela impulsiona suas vivências e suas realidades. A professora é sozinha, depende exclusivamente de si para se manter e ainda precisa administrar a carreira, estudar e lutar para se manter viva, assim como a maioria dos pobres, pretos e moradores da periferia do Brasil. Ela é enfática ao explicar como é preciso ‘hackear’ o sistema para conseguir ter acesso a oportunidades para se manter viva.
Segundo relatório divulgado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o Brasil foi pelo 14º ano seguido o país que mais matou pessoas trans no mundo. Em 2022, foram 131 pessoas trans mortas no Brasil. É esse sistema feito para matar que Vic Kabulosa e inúmeros corpos trans precisam hackear todos os dias.
“Então, a minha maior dificuldade é me manter viva mesmo. Me manter viva, saudável e alimentada, tá ligado? Ainda é o básico. O que afeta na minha carreira é, tipo, todos esses problemas pessoais de me manter viva, basicamente, sabe? E eu lido com isso com a arte. Ela vem fazendo você estar viva. A arte vem me mantendo sobrevivente. A arte, ela vai me mantendo impulsionada”.